Momentos.

Momento é por definição o instante irrepetível. A música é pois, ainda que de forma estranhamente paradoxal, a arte de tornar perene o momento, estruturada que é no conceito de tempo e da repetição encantatória deste. Assim construo o que canto, toco, danço e componho. Uma maneira de tornar eternos os meus instantes, de os lançar como nuvens invisíveis sobre o céu carregado das melodias que me ensombram. Nelas habitam todos os meus fantasmas, saudades não tão distantes, as obsessões, as loucuras possíveis e todas as outras que não cheguei ainda a pronunciar. Das palavras faço música e notas que me fintam e se perdem por entre a harmonia seca de um piano ou da tremidão incessante, intrigante e talvez irritante de uma guitarra qualquer. São as esquinas da cidade que me seduzem, paixões incompletas, não correspondidas ou sem nexo, vultos escorregadios que tecem a noite como pássaros silenciosos, madrugadas encantadas entre as pegadas de um areal molhado pela chuva imprecisa ou pelas lágrimas do coração. Os meus momentos são banais e por isso os canto. Esta vontade que tenho de tornar o real numa melodia que repito até que outra melodia me surja do sonho. Elas são o mundo a pulsar a cada piscar de olhos, o lento crescer de um lírio num deserto de cetim e cimento, as letras esbatidas de um jornal que ninguém lerá. Este é o meu Momento. E assim se cumprirão, em quem estiver predisposto a tal, nas vossas mãos os meus instantes irrepetíveis.